PLASTICIDADE NEURONAL E INTERVENÇÕES PRECOCES NO TEA:

A neuroplasticidade pode ser definida como a capacidade cerebral para se reorganizar, modificando a sua estrutura. Com as pesquisas desenvolvidas pelas neurociências, desde os anos 1990, sabemos que uma boa compreensão do processo de toda e qualquer aprendizagem requer a consideração do funcionamento cerebral. Isso porque, conforme nos indica Corrêa (2024) aprender é fundamentalmente estabelecer sinapses nervosas que é o local no qual ocorre a passagem da informação entre os neurônios. Vale lembrarmos que este estabelecimento é dependente da liberação de um neurotransmissor que é uma substância química, que quando associado ao bem-estar leva à repetição da experiência (Corrêa, 2024). “A capacidade de aprender está diretamente conectada à quantidade de sinapses” (Chaves, 2023, p.67).

TEXTO E DIVERSOS

Dra. Cristia Rosineiri Gonçalves Lopes Corrêa

11/8/202519 min ler

Conforme indicado por Chaves (2023), diferentemente daquilo que foi uma crença científica por longo tempo da interrupção do desenvolvimento cerebral na juventude e de uma grande perda neuronal no decorrer da vida, com inclusive perda da capacidade de produzir novos neurônios a partir de determinada idade, os resultados de pesquisas científicas passaram a apontar uma nova realidade, a saber, a permanência da neuroplasticidade por toda a existência do indivíduo. “As conexões sinápticas podem regenerar nossos neurônios. A interação com o ambiente é de suma importância porque ela induz a formação de novas conexões nervosas e, por consequência, propicia a aprendizagem” (Chaves, 2023, p.68).

Mas, ainda que ocorra ao longo da vida a manutenção dos processos de neurogênese, inegavelmente, há uma perda na quantidade de neurônios. Nesse contexto, de acordo com resultados de pesquisas, o período da infância se configura como aquele de maior neuroplasticidade. Isso porque “o cérebro de um recém-nascido sofre um aumento de volume muito significativo, cerca de 1% por dia no período pós-natal inicial [...] a qual diminui sua intensidade de acordo com o crescimento ou envelhecimento” (Marco et al., 2021, p.6). Consequentemente, por meio da exposição à estímulos ambientais específicos, o comportamento da criança pequena pode ser mais facilmente alterado, indicando os benefícios de uma intervenção precoce.

No entanto, conforme Marco et al. (2019) indicam, como o cérebro dessa criança neurodivergente é hiperexcitado, quando realizamos alguma intervenção para tentarmos fazer com que este funcione semelhante ao das pessoas neurotípicas, ele se desorganiza, entrando em crise. Desse modo, alguns métodos são utilizados para redução das estereotipias, estímulo da linguagem e interação social. Do conjunto, recortaremos a Análise Aplicada do Comportamento, o Modelo Denver de Intervenção Precoce, a redução do tempo de exposição às telas, a intervenção medicamentosa e uma intervenção específica no âmbito da creche.

Estimulação Comportamental baseada em ABA (Análise Aplicada do Comportamento):

De acordo com Baer et al. (1968), a análise aplicada do comportamento é o processo de aplicarmos princípios de comportamento, para a melhoria de comportamentos específicos e, simultaneamente, avaliar se quaisquer mudanças observadas são ou não de fato atribuíveis ao processo de tal aplicação - e, em caso afirmativo, a quais partes desse processo. Para intervenções e pesquisas embasadas na Análise aplicada do comportamento (ABA), os pesquisadores propõem sete dimensões para que tais intervenções e pesquisas sejam consideradas analítico-comportamentais: aplicada; comportamental; analítica; tecnológica; conceitualmente sistemática; efetiva; e generalidade.

Nesse contexto, o programa ABA configura-se como o tipo de “programa comportamental amplamente utilizado e reconhecido, que visa desenvolver habilidades sociais e comunicativas, ao lado da redução de condutas não adaptativas, partindo de estratégias de reforço” (Sociedade Brasileira de Pediatria, 2019, p.16-7). Desse modo, o programa ABA utiliza a análise do comportamento humano a fim de promover estratégias de intervenção que remodelem o comportamento do paciente. Na atualidade, o programa ABA mais recomendado é o ABA naturalístico. Este compreende objetivos para criança com TEA, tais como aqueles de contato visual, imitação, pareamento, discriminação, generalização que são trabalhados dentro do contexto que a criança vive: dentro das brincadeiras, da sua casa, da escola, das atividades da vida diária; e não dentro de um programa terapêutico, à parte. Isso porque tal perspectiva favorece a generalização e também aumenta a motivação da criança.

Assim, as técnicas de intervenção são baseadas tanto no condicionamento clássico quanto no condicionamento operante. Em relação ao condicionamento clássico, destacamos o emparelhamento e a generalização. De acordo com Biaggio (1975/2015), no emparelhamento, temos a associação, por várias vezes, de um estímulo neutro (que não desencadeia uma dada resposta) a um estímulo incondicionado (que não depende de qualquer condicionamento ou aprendizagem prévia para provocar a mesma resposta), levando o estímulo neutro também a desencadear a resposta, tornando-o, pois, um estímulo condicionado que desencadeia a resposta condicionada. “Os melhores resultados de condicionamento são obtidos quando o estímulo condicionado é apresentado pouco antes (alguns segundos) do estímulo incondicionado” (p.122). Embora no Programa ABA para tratamento do TEA, utilizamos principalmente princípios do condicionamento operante, o condicionamento clássico se apresenta como uma boa ferramenta complementar, possibilitando a criação de associações positivas e redução de comportamentos inadequados. Seguindo a indicação de Nascimento (2024), podemos dizer que no ensino de habilidades sociais, por exemplo, a criação de associações positivas pode ocorrer por meio do emparelhamento de estímulos sociais neutros como saudações com reforçadores sociais (como elogios) e reforçadores positivos tangíveis (como brinquedos). Primeiramente, esse emparelhamento possibilita a eficácia dos elogios de tal modo que apenas eles possam ser usados no ensino de novas habilidades sem a necessidade do recurso aos reforçadores positivos tangíveis. Ademais, tal associação possibilita a aprendizagem do comportamento de saudar as pessoas como algo prazeroso, independente inclusive de elogios. Este tipo de emparelhamento pode ocorrer para a aprendizagem de um comportamento adequado pela criança diante de qualquer situação ou tarefa experienciadas inicialmente como aversivas, utilizando não apenas reforçadores tangíveis, mas também atividades sentidas como prazerosas como ouvir músicas preferidas junto com a realização de alguma tarefa ou assistir vídeos favoritos em um dado local específico gerador de ansiedade. Em suma, trata-se da aprendizagem de comportamentos adequados a partir da promoção de experiências positivas por meio do emparelhamento descrito. “Os brinquedos entram como reforçadores para obter a atenção das crianças, quanto maior for a magnitude do reforçador, melhor e maior será o rendimento durante a sessão” (Sousa et al., 2020, p.115). No âmbito do TEA, trata-se de usar a motivação da criança para uma atividade direcionada, isto é, sempre associando uma aprendizagem direcionada para o social. Como sabemos que a criança tem fascínio por dados objetos, podemos utilizar estes ou os contextos que ela gosta muito em associação com algo que queremos que ela aprenda.

Já em relação ao condicionamento operante, destacamos o reforço, a punição, a extinção, a imitação, a generalização e a discriminação. Por conseguinte, as técnicas de intervenção são baseadas em reforço positivo e negativo, punição e extinção, imitação, generalização e discriminação para manter os comportamentos desejáveis ou extinguir aqueles indesejáveis. Reforço, seja positivo ou negativo, é tudo aquilo que se segue à emissão de uma resposta aumentando a sua frequência (Biaggio, 1975/2015). No caso do reforço positivo, isso ocorre a partir da aplicação de algo, como o elogio por exemplo após um comportamento de cooperação da criança. A aplicação do reforço positivo no Programa ABA se configura como uma estratégia fundamental para promoção e manutenção de comportamentos desejados em pessoas com TEA, (Camargo & Rispoli, 2013). Conforme indica Sousa et al. (2020), tal aplicação ocorre no desenvolvimento de habilidades de comunicação por meio de reforçadores sociais (como elogios, atenção, abraços e sorrisos) ou com reforçadores tangíveis (como brinquedos musicais, adesivos favoritos, objetos excêntricos utilizados para brincadeiras e alimentos preferidos) ou reforçadores de atividade (como alguns minutos de uma atividade prazerosa) após a utilização pela criança, por exemplos, de linguagem verbal (como uma palavra) ou não verbal (como um sinal) apropriadas para se comunicar. Também no treinamento de habilidades sociais, por exemplos, a cada vez que compartilhar os objetos de interesse, que fizer atenção compartilhada. Visando uma aprendizagem mais rápida, nas primeiras etapas, é adotado o esquema de reforçamento contínuo que consiste em dispensar os reforços em seguida a “todos os comportamentos de determinada classe que forem emitidos” (Biaggio, 1975/2015, p.126). Mas, uma vez bem estabelecido o comportamento, passamos a visar a sua manutenção, podendo, pois, adotar o esquema de reforçamento intermitente que consiste em “reforçar algumas respostas de determinado tipo e não reforçar outras desse mesmo tipo” (Biaggio, 1975/2015, p.127). Isso porque o esquema intermitente “é muito mais eficiente para gerar alta resistência à extinção” (Biaggio, 1975/2015, p.128), permitindo, através de gradual redução do reforço, “que depois de certo tempo as crianças adquiram hábitos e o reforço constante não seja mais necessário” (Biaggio, 1975/2015, p.128). Digno de nota é que, segundo Martins & Camargo (2023), a sua eficácia depende da identificação daquilo que é considerado reforçador pela criança. Com isso, as autoras ressaltam a relevância de identificar e priorizar as necessidades e os interesses “das crianças com TEA, considerando que os reforços são idiossincrásicos para cada indivíduo. Isso indica a necessidade de investigar as preferências dos alunos, observando seus comportamentos e conversando com outros profissionais e responsáveis que fazem parte do seu cotidiano” (p.113).

No caso do reforço negativo (é importante que não seja confundido com “punição”), isso ocorre a partir da retirada de uma situação aversiva que leva ao aumento da frequência daquele comportamento que removeu a dita situação (Nascimento & Leite, 2013, p.11). Por exemplo, se alguém com dor de cabeça, tiver o comportamento de fazer uso de um analgésico com o propósito de eliminar a dor, tal comportamento de tomar analgésico pode ser reforçado negativamente, já que a dor (estímulo aversivo) será eliminada. Comportamentos de fuga (comportamento realizado para terminar uma situação aversiva já presente) e esquiva (comportamento realizado para evitar uma situação aversiva) (Biaggio, 1975/2015) são mantidos através de reforço negativo. No contexto da ABA para o TEA, o reforço negativo pode ser estrategicamente utilizado para auxiliar crianças no desenvolvimento de habilidades e redução de comportamentos problemáticos. As intervenções devem consistir em metas que inicialmente hão de ser simples e alcançáveis, isto é, realísticas. Um exemplo, agora no âmbito escolar, são as chamadas pausas sensoriais (Nascimento, 2023) que consistem em permitir a criança que ela possa, por alguns minutos, ir para um cantinho da sala de aula para participação em uma atividade preferida (como brincar com os brinquedos de uma caixa organizada contendo objetos de seu interesse que a auxiliam na autorregulação) ou até mesmo sair da sala. Tais pausas sensoriais estão sendo utilizadas dentro de escola com o objetivo de aumentar a probabilidade de ocorrência da resposta de permanência na sala. Nesse caso, a estimulação aversiva da permanência na sala pode ser pelos ruídos, pelos movimentos inesperados e pelos cheiros. Isso devido a hipersensibilidade sensorial que ocorre no TEA.

Nascimento (2023) descreve em sua pesquisa, o seu trabalho pedagógico com uma criança nível três de autismo com comportamentos de choro, grito e agitação recorrentes por não se comunicar pela fala. A intensidade de tais comportamentos indicava irritação devido a algo no ambiente escolar, não ficando muito tempo dentro da sala de aula. A criança tinha dificuldade em seguir a rotina proposta e atender aos comandos da professora e da estagiária, ficando boa parte do tempo no colo dos adultos da escola como a diretora, a vice, a secretária e, na maioria das vezes, no da estagiária. Além dos comportamentos de birras para ter o que precisava, ocorria comportamentos de autoagressão, mordendo os próprios pulsos. O contato visual era mantido apenas quando estava extremamente irritada. A criança ficava muito estressada por muitos ruídos, cheiros e movimentos inesperados dentro da sala de aula, sendo uma causa de tal dificuldade a hipersensibilidade sensorial.

Para auxiliá-la em tais momentos, foi montada na sala, com ajuda da psicopedagoga e dos pais, uma caixa contendo objetos que auxiliavam a criança na autorregulação. A caixa foi montada com o objetivo de conter objetos de costume da criança, com vistas a funcionar como válvula de escape para o estresse e irritação causados por muitos ruídos, movimentos inesperados e cheiros dentro da sala de aula, proporcionando um momento de pausa nas interações com o ambiente. Como bem Nascimento (2023) pontua, como tal isolamento é uma característica de indivíduos com TEA, não podemos desconsiderar o que faz parte do sujeito, mesmo quando estamos treinando sua interação social. Diversos objetos presentes na caixa eram de interesse extremo da criança, como pedaços de barbante que ela gostava de chacoalhar como se fossem sinos, mordedores de borracha com texturas variando de muito mole até muito duro, bolas de borracha texturizadas. Entendemos que, desse modo, o reforço negativo foi estrategicamente utilizado como uma intervenção para auxiliar a criança no desenvolvimento de habilidades sociais (convívio e interação com os pares) e redução de comportamentos problemáticos de não permanecer na sala. Isso ocorreu a partir da identificação, por parte da equipe pedagógica, de um estímulo aversivo para a criança como sendo a permanência na sala, sentada na sua carteira. Diante da solicitação para realizar essa demanda, apresenta comportamento de chorar, gritar, ficar agitada, se recusando a permanecer na carteira ou até mesmo permanecer na sala. Para reduzir esse tipo de comportamento e aumentar a probabilidade da resposta visada que é a sua permanência na sala, podemos pedir à criança para completar uma pequena tarefa relacionada ao estímulo aversivo, como permanecer na carteira por um tempo (inicialmente, por um curto período, com aumentos progressivos), e em seguida, combinando com ela que se o fizer permitirá a sua participação em uma atividade preferida (como brincar com os brinquedos da caixa), permitindo que ela faça uma pausa (como uma pausa de alguns minutos, apostando que venham a ser progressivamente menores) nas interações com o ambiente, aliviando a irritação causada por muitos ruídos, movimentos inesperados, etc. Assim, após a permanência na carteira pelo tempo combinado, ocorrerá a permissão acordada, com a remoção do estímulo aversivo (a permanência na sala com todos os ruídos estressores). Com a repetição da situação, a criança aprenderá que ao iniciar ou completar a permanência, ela poderá remover a situação aversiva por meio da remoção da demanda, diminuindo o comportamento de resistência e aumentando a probabilidade de iniciar e aumentar a sua permanência ou até mesmo permanecer durante todo o horário da aula, aumentando a sua adequação à rotina escolar. Mas, de acordo com Nascimento (2023), deixar a caixa acessível também funcionava como reforço positivo para alguma atividade realizada por completo.

Já punição e extinção, em contrapartida, são estratégias que visam diminuir a ocorrência de um dado comportamento (Biaggio, 1975/2015). A punição o faz a partir das consequências negativas geradas por um comportamento (Biaggio, 1975/2015). A punição pode ser positiva que consiste na adição de um estímulo aversivo como por exemplo uma repreensão verbal; ou negativa que consiste na remoção de um estímulo agradável, como a perda de tempo de brincar após um comportamento inadequado. Já a extinção visa diminuir a ocorrência de um comportamento inadequado a partir da retirada de reforços positivos que possam estar mantendo tal comportamento, como por exemplo, “ignorar” a birra da criança ao invés de prestar muita atenção, o que acabaria reforçando positivamente a “birra” (Biaggio, 1975/2015).

Segundo Moreira & Medeiros (2019), no Programa ABA para o tratamento do TEA, a aplicação da punição gera controvérsias, sendo considerada como último recurso, após a exaustão de todas as estratégias de reforço e intervenções menos aversivas, incluindo o ajuste do ambiente para reduzir os gatilhos do comportamento inadequado. A punição nunca deve provocar dor física ou emocional significativa, com a sua intensidade e natureza devendo ser proporcionais à resposta apresentada e à capacidade da criança de compreender a relação entre o comportamento e a consequência, tal como indica Alberto & Troutman (2006). Ademais, como nos orienta INE EAD (2020), se a punição se fizer necessária, “sempre é recomendado que iniciem o processo criando planejamentos que envolvam reforçadores positivos eficazes e estímulos para comportamentos alternativos que se quer alcançar. É possível que, uma vez fortalecido um comportamento considerado adequado, a punição não seja necessária” (p.31).

Feitas as considerações de caráter ético, quando a aplicação da punição for justificada, esta pode ocorrer sob diversas formas, tais como: uma repreensão verbal como um firme “não” em seguida a um comportamento agressivo; tempo de isolamento que consiste na remoção temporária da criança de uma situação reforçadora em seguida a um comportamento inadequado, colocando a criança, por um curto período de tempo, em um ambiente neutro; e perda de privilégios que consiste na remoção de uma atividade ou item predileto após um comportamento disruptivo como a perda do tempo de tela.

No Programa ABA para o tratamento do TEA, para a aplicação eficaz da extinção, por sua vez, é fundamental identificarmos o reforço mantenedor do comportamento inadequado para que ela seja aplicada de maneira consistente por todas as pessoas envolvidas no tratamento: profissionais, pais e cuidadores. Assim, como na aplicação da punição, é muito importante o reforçamento de comportamentos adequados alternativos, tal como preconizam Moreira & Medeiros (2019), já indicado bem anteriormente por Harris et al., (1964). Quanto aos reforços mantenedores do comportamento inadequado, um deles é a atenção dos adultos como ocorre com birras, consistindo a estratégia pertinente em ignorar o comportamento inadequado, não proporcionando a atenção que o reforce. Alternativamente, iremos conferir atenção apenas aos comportamentos apropriados como quando ocorre da criança estar calma e apresentando comportamentos adequados (Biaggio, 1975/2015; Harris et al., 1964).

Sobre a imitação, o comportamento imitativo ocorre ou porque o indivíduo presencia o modelo ser reforçado ou porque ele próprio é reforçado a emitir um comportamento porque corresponde ao do modelo. “Por exemplo, a criança que vê a mãe de um coleguinha ceder a seu acesso de birra provavelmente imitará esse comportamento. Chamamos esse tipo de reforço de reforço vicário, isto é, ‘em lugar do outro’” (Biaggio, 1975/2015, p.132). A imitação é fundamental para o desenvolvimento de habilidades comunicativas e interações sociais. Temos vários tipos de imitação: a motora que consiste na imitação de movimentos corporais como bater palmas; a verbal que consiste na imitação de sons, palavras ou frases; a social que consiste na imitação de expressões faciais, gestos e comportamentos sociais.

No Programa ABA para o tratamento do TEA, a aplicação da imitação por meio da observação e repetição de ações de modelos (profissionais, pais e pares) se apresenta como uma abordagem eficaz para o ensino generalizado de uma grande variedade de habilidades tais como ações, sons e comportamentos essenciais para o seu desenvolvimento social, comunicativo e cognitivo. Isso através de estratégias estruturadas e reforço positivo. A imitação auxilia crianças com TEA tanto no desenvolvimento motor, com a aprendizagem de habilidades motoras finas e grossas quanto no desenvolvimento cognitivo e social com a aquisição de habilidades cognitivas e de resolução de problemas. Algo digno de observação é a relevância do estímulo à imitação em contextos naturais tais como nas brincadeiras, rotinas diárias e interações sociais. Temos estratégias de ensino de imitação, tais como: 1) modelagem direta que consiste na demonstração de uma ação e no encorajamento da sua imitação como bater palmas e pedir a criança para imitar a ação motora simplesmente por observar a ação em outro, independentemente de reforço seja para ele, seja para o modelo (Biaggio, 2015); 2) reforço positivo que consiste no reforçamento positivo (como por exemplos elogios e recompensas) a cada tentativa de imitação, caso a modelagem direta não seja suficiente; 3) sequências graduais que consistem na graduação das demandas por imitação, começando com imitações simples que irão adquirindo complexidade proporcionalmente à maior competência da criança; 4) uso de pistas que consiste na utilização de pistas visuais, verbais ou físicas que podem ser usadas para ajudar a criança na compreensão daquilo que deve ser imitado. Aqui, importa uma nota sobre o Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits relacionados à Comunicação (TEACCH). O seu objetivo é que a pessoa com TEA chegue na idade adulta com maior autonomia possível, utilizando, para isso, de diferentes serviços profissionais e de uma rotina para que ela consiga se organizar no seu dia a dia. A forma como a rotina será elaborada dependerá do seu nível de suporte, podendo ser composta por imagens ou uma agenda escrita. O TEACCH considera que as pessoas com TEA são aprendizes visuais. Portanto, a sequência de tarefas será construída de maneira visual, de acordo com o que for mais favorável para a criança (imagens ou palavras), utilizando, pois, pistas visuais em todos os contextos da vida da pessoa com TEA que devem ser retiradas progressivamente, no que ocorre o desenvolvimento da habilidade de imitação, priorizando a independência, podendo ser usado para qualquer idade e com qualquer nível de suporte.

Quanto à generalização, segundo Biaggio (1975/2015), esta pode ocorrer tanto no âmbito do condicionamento clássico quanto do condicionamento operante. No âmbito do condicionamento clássico, estímulos semelhantes ao que originalmente foi condicionado passam a provocar a mesma resposta. “A generalização é tanto maior, quanto mais semelhante o novo estímulo for ao estímulo original” (Biaggio, 1975/2015, p.126). Já no condicionamento operante, esta ocorrerá quando o reforço positivo de um comportamento tender “a aumentar a probabilidade de ocorrência deste comportamento específico, e também de comportamentos semelhantes. Por exemplo, uma criança que recebe elogios por emprestar brinquedos aos irmãos provavelmente ao entrar para o maternal tenderá a compartilhar brinquedos com os coleguinhas” (Biaggio, 1975/2015, p.126). No Programa para o TEA, trata-se de ensinar a criança a aplicar os comportamentos adequados aprendidos com diferentes pessoas, em contextos diversos, de tal modo que as habilidades de comunicação e sociais aprendidas não se restrinjam a uma única situação. Já a discriminação se configura como o processo inverso da generalização, requerendo respostas diferentes à estímulos diferentes. “Os processos de generalização e discriminação são ambos importantíssimos na aquisição de comportamentos sociais complexos” (Biaggio, 1975/2015, p.126). Visando a eficácia do programa de intervenção, se torna necessária a avaliação regular do progresso da criança e realização de ajustes necessários na aplicação de todas as estratégias descritas. Desse modo, no âmbito do tratamento do TEA, de um modo geral, o programa ABA pode ajudar muito, principalmente no desenvolvimento das habilidades sociais e de comunicação.

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