TDAH E APRENDIZAGEM DE COMPORTAMENTOS DE BASE MOTIVACIONAL:
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento relacionado a um comprometimento nas funções pré-frontais do Sistema Nervoso Central caracterizado pelos sintomas fundamentais da impulsividade, “desatenção” e hiperatividade, podendo haver predominância da hiperatividade (mais frequente em meninos) ou da desatenção (mais frequente em meninas). Antigamente era esperada a idade adulta para o tratamento. Mas, à medida em que passou a ser percebido que boa parte dos transtornos mentais na idade adulta já estavam presentes na infância e adolescência e que boa parte dos transtornos de ansiedade tiveram início antes dos 13 anos, a criança passou a ser tratada. Isso porque na criança com TDAH, por exemplo, o transtorno mental além de cursar com um sofrimento psíquico e funcional também acarreta prejuízo no desenvolvimento, como o prejuízo das funções executivas.
TEXTO E DIVERSOS
Dra. Cristia Rosineiri Gonçalves Lopes Corrêa
11/8/20258 min ler


E o que seriam essas famosas funções executivas que ouvimos tanto falar no contexto do TDAH? Elas se encontram no âmbito da mencionada área pré-frontal cerebral. As funções executivas são habilidades cognitivas que permitem controlar e regular as emoções, pensamentos e ações. E quais são essas funções executivas?
1-Capacidade de seleção de objetivos;
2-Capacidade de planejamento de comportamento;
Estes dois primeiros se relacionam com a capacidade de resolução de problemas.
3-Raciocínio;
4- Memória de trabalho: Capacidade de reter informações por segundos ou minutos, durante o tempo suficiente para dar sequência a um raciocínio, compreender e responder a uma pergunta, memorizar o que acabou de ser lido para compreender a frase seguinte, um número de telefone durante o tempo suficiente para discá-lo. Este tipo de memória é organizado pelo córtex pré-frontal e não deixa arquivos.
5-Flexibilização cognitiva: mudança de estratégia caso seja identificada insuficiência na estratégia utilizada para atingir o objetivo.
6-Controle inibitório: Capacidade de agir de forma menos impulsiva, resistir a tentações que possam desfocar a atenção, os objetivos e a resolução de problemas.
Tem de chamar a nossa atenção que a capacidade de seleção de objetivos, a capacidade de planejamento de comportamento (competências que se relacionam com a capacidade de resolução de problemas), bem como a capacidade de raciocínio requerem a atenção. É através da atenção que entram as informações que serão processadas pelo cérebro, sendo, pois a atenção a porta de entrada da aprendizagem. Desse modo, na aprendizagem, o processamento cerebral requer o bom funcionamento da atenção.
Sobre a memória, esta consiste no aspecto cognitivo considerado básico para aprendizagem no sentido de que não há aprendizagem sem memória. A memória operacional ou de trabalho é um dos tipos de memória.
As capacidades de flexibilização cognitiva e de controle inibitório se relacionam com a Capacidade de autorregulação, isto é, o monitoramento das atividades cognitivas e das emoções, direcionando o comportamento. Isso porque para tal, o indivíduo autorregulado faz uso do controle inibitório, isto é, renuncia à alguma atividade para priorizar o treinamento de outra que esteja precisando mais em um dado momento. Ademais, saberá o momento de manter, aprimorar e/ou rever estratégias utilizadas à luz dos resultados obtidos e/ou feedbacks recebidos.
Consequentemente, algo muito importante é que a criança com TDAH típico não possui déficit na capacidade intelectual. Isso significa que ela não deixa de aprender. Mas, ocorrerão prejuízos no seu processo de ensino-aprendizagem dados prejuízos no âmbito das funções executivas, principalmente a perturbação no funcionamento da atenção que é uma função psicológica fundamental no mencionado processo. Isso porque ocorrerá a desatenção que consiste tanto na dificuldade da capacidade de concentração (hipotenacidade) quanto na dificuldade de manutenção do foco atencional, apresentando uma enorme atenção difusa (hipervigilancia). Essa hipervigilancia do TDAH é aquela relacionada com o comprometimento da atenção seletiva, com a criança perdendo o foco com qualquer ruído à sua volta e com dificuldade de retomá-lo.
Não é à toa que os sintomas se manifestam, no plano da cognição, com: dificuldade de concentração; falta de atenção; esquecimento. Já no nível do comportamento: agressão; hiperatividade; excitabilidade; impulsividade; inquietação; falta de moderação; irritabilidade. Por fim, que encontremos no âmbito do humor: excitação; raiva; ansiedade; depressão.
No âmbito desse tema, algo digno de nota é aquilo que os estudos indicam como área de intercessão entre áreas de processos relacionados à cognição e à emoção, atestando pela via biológica a relação entre emoção e cognição, há muito reivindicada por vários teóricos da psicologia. Neste contexto conceitual, cabe destacarmos o papel do Sistema Límbico quanto à:
Regulação das Emoções;
Consolidação de memória.
Anteriormente, ressaltamos a relevância da memória como o aspecto cognitivo considerado básico para aprendizagem. Neste ponto, cabe destacarmos que além da memória operacional ou de trabalho já abordada, temos Memórias de curta e longa duração. A memória de curta duração permite a retenção de informações durante algumas horas até que sejam armazenadas de forma mais duradoura nas áreas responsáveis. A memória de curta duração dura de 3 a 6 horas, que é o tempo que leva para se consolidar a memória de longa duração. Já a memória de longa duração depende de mecanismos mais complexos que levam horas para serem realizados. Os dois tipos dependem do hipocampo que é uma estrutura do sistema límbico. Mas, a memória de curta duração se extingue depois de algum tempo, enquanto a de longa é consolidada por meio da atividade do hipocampo, ficando armazenado em áreas corticais de associação de acordo com seu conteúdo, podendo aí permanecer anos. Assim, no âmbito da área de intercessão entre áreas de processos relacionados à cognição e à emoção, atestando pela via biológica a relação entre emoção e cognição, há conexões recíprocas da área pré-frontal com o sistema límbico, comunicando-se para que juntos decidam quais das memórias retidas temporariamente na memória operacional devem ser armazenadas permanentemente. E nesse processo, são estes os fatores intervenientes:
1-Dados racionais, trazidos pela área pré-frontal: será memorizado aquilo que “for relevante”;
2-Dados emocionais trazidos pelos elementos geradores de emoção do sistema límbico: serão registradas as memórias que “impactaram” o indivíduo;
3-Muitos outros dados complexos e abstratos, diversos deles ainda não conhecidos.
Como resultado, a área pré-frontal retém quase tudo que lhe parece momentaneamente relevante na memória operacional. Subsequentemente, a área pré-frontal cede ao sistema límbico as memórias que devem ser consolidadas, após sua comunicação com este sistema. Algumas áreas do sistema límbico, principalmente o hipocampo, irão, então, por meio do circuito de Papez, gravar essas memórias em variadas áreas do encéfalo, de onde poderão ser evocadas novamente no futuro. A amígdala e a área septal também se unem a vários pontos do circuito, conotando o papel das emoções neste processo na medida em que possibilita a influência de questões subjetivas na consolidação das memórias de longo prazo. É justamente por isso que temos mais facilidade em memorizar o que mais nos impactou emocionalmente.
Dito isso, falaremos um pouco sobre o trajeto dos estímulos cognitivos em toda e qualquer aprendizagem de comportamentos:
1-Estímulos cognitivos (EC) são percebidos e sentidos – Atenção;
2- Estímulos cognitivos (EC) são processados – Atenção;
3- Estímulos cognitivos (EC) são avaliados – Emoção;
4-Motivação;
5-Ação sobre as Funções Executivas.
EXPLICANDO O ESQUEMA ANTERIOR:
O trajeto dos estímulos cognitivos implica um processo imbricado no qual:
Primeiramente, os estímulos cognitivos são percebidos e sentidos pelo indivíduo (SENSAÇÃO E PERCEPÇÃO), para em seguida, tais estímulos cognitivos serem processados (e neste processamento é necessária a ATENÇÃO). Depois de processados, os estímulos cognitivos serão avaliados (e, nesta avaliação, é necessário atribuir ou não SENTIDO para eles). Se eles fizerem sentido, eles serão capazes de despertar a EMOÇÃO do indivíduo. Com o impacto do fator emocional, é gerada a MOTIVAÇÃO para a aprendizagem. E, a partir da motivação para a aprendizagem, ocorrerá a AÇÃO SOBRE AS FUNÇÕES EXECUTIVAS para viabilizá-la.
Nas Ações sobre as Funções Executivas, como já sabemos, ocorrem:
1-Estabelecimento de objetivos;
2-Planejamento de ações;
3- Elaboração de estratégias;
4- Flexibilidade cognitiva;
5- Autorregulação;
6- Controle inibitório.
ESQUEMA DA MOTIVAÇÃO:
1-Recepção e processamento de novas informações;
2-Ativação do núcleo accumbens (leigamente conhecido como “centro da recompensa”);
3-Ativação das áreas frontais que farão uma decisão baseada no valor da experiência;
4-Ativação de outras áreas pré-frontais que vão levar ao planejamento de estratégias do comportamento para atingir o objetivo de aprendizagem, levando o indivíduo a repetir aquela experiência cognitiva que levou à ativação do centro de recompensa, processando, pois, a motivação.
EXPLICANDO O ESQUEMA DA MOTIVAÇÃO:
Primeiramente, ocorre a RECEPÇÃO E PROCESSAMENTO DAS NOVAS INFORMAÇÕES;
Se, a partir do processamento das novas informações, quando elas forem avaliadas, ocorrer atribuição de sentido aos estímulos cognitivos presentes nelas, impactando emocionalmente (no sentido positivo) o indivíduo, ocorrerá A ATIVAÇÃO DO NÚCLEO ACCUMBENS (leigamente conhecido como “centro da recompensa”). A partir da ativação do núcleo accumbens, ocorrerá a ATIVAÇÃO DAS ÁREAS FRONTAIS que farão uma decisão baseada no valor da experiência. Com a decisão baseada no valor da experiência a partir da ativação das áreas frontais, ocorrerá a ATIVAÇÃO DE OUTRAS ÁREAS PRÉ-FRONTAIS que vão levar ao planejamento de estratégias do comportamento para atingir o objetivo de aprendizagem de um comportamento, levando o indivíduo a repetir aquela experiência cognitiva que levou à ativação do centro de recompensa, processando, pois, a motivação. Ademais, temos a amígdala que PROCESSA MEDO, RAIVA, ANSIEDADE, sendo muito importante para avaliação da extensão de uma ameaça em um estímulo cognitivo, sendo, por sua vez, uma área encefálica de processamento de emoções. Essas duas regiões que processam motivação e emoção têm conexão com o já mencionado hipocampo, região cerebral muito importante para consolidação de memória. Desse modo, podemos concluir que a motivação se relaciona com a função executiva e com aquelas áreas da emoção que avaliam o valor da experiência.
Sob a perspectiva estudada há 2 tipos de motivação:
1- Motivação Extrínseca: Ligada à fatores externos
2- Motivação Intrínseca: Relacionada à capacidade de autorregulação e crenças de alta auto-eficácia.
Já falamos da Capacidade de autorregulação que se relaciona com a capacidade de flexibilização cognitiva levando à mudança de estratégia caso seja identificada insuficiência na estratégia utilizada para atingir o objetivo. Além disso, se relaciona com o monitoramento das atividades cognitivas e das emoções, direcionando o comportamento. Acerca das Crenças de auto-eficácia: São crenças relacionadas à capacidade de realizar algo e/ou de produzir resultados positivos. Elas podem ser:
1- Crenças de baixa auto-eficácia: São crenças, por parte do indivíduo de que ele não irá ser capaz de realizar algo e/ou de produzir algo positivo.
2- Crenças de alta auto-eficácia: São crenças, por parte do indivíduo de que ele irá ser capaz de realizar algo e/ou de produzir algo positivo.
CONCLUSÃO PRINCIPAL: Há uma relação de cooperação entre o sistema da cognição representado pelo córtex e o sistema límbico que compreende as estruturas reguladoras das emoções, proporcionando o processo de aprendizagem de comportamentos que possui BASE MOTIVACIONAL. Nesse trajeto percorrido, vimos a importância das funções executivas nesse processo. Vimos que no TDAH há um prejuízo nas funções executivas. Portanto, podemos concluir que há um prejuízo no processo de aprendizagem de comportamentos de base motivacional em indivíduos com TDAH.
Referências:
Corrêa, C. R. G. L. (2024). A Relação entre Afeto e Cognição: Perspectivas Teóricas. Revista Psicologia Escolar e Educacional, 28. https://doi.org/10.1590/2175-35392024-257346
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Machado, A. & Haertel, L. M. (2013). Neuroanatomia Funcional. Rio de Janeiro: Atheneu.
